CONTINUA...



I - ANTES DE MAIS NADA
Dorme meu pai sem cuidado.
Dorme que ao entardecer.
Seu filho sonha acordado.
Com o filho que ele quer ter.
- Toquinho

continua...



II - CHECK-IN ANTECIPADO
Feriado.
Primeiro de maio de dois mil e dezoito.
Dia do trabalho.
Feriadão.
Bom pra viajar com a família.
Mas a gente sabe como é.
Não dá pra chegar em cima da hora.
Fomos antes então.
Ninguém avisou que antes também não podia.
Chegamos cedo demais, afinal.
Cento e setenta e nove vírgula dez.
Pouco pra gente embarcar.
Suficiente pra gente sonhar.

continua...



III - CHÁ
Três dias.
Recentemente convertidos em 259.200 segundos.
Primeiro a quatro de maio de dois mil e dezoito.
Chá de cadeira.
Dá pra pensar na vida.
E a gente só pensava na sua.
Chá de erva-cidreira.
Pra passar a tosse.
Não adiantou.
Mas passamos a seiscentos e sessenta e cinco ponto trinta.
Check-in feito.
Ainda falta uma galera pra embarcar.
Mais um pouco de chá.
De erva-cidreira e de cadeira.
Decolamos juntos dentro de onze dias.
950.400 segundos.
E contando.

continua...



IV - EMBARQUE (NÃO) AUTORIZADO.
Não que a comandante houvesse autorizado.
Maria Lúcia preferia esperar. 
Como que para abastecer. 
Mas entre nós e ela havia Terezas e Marinas.
Uma de cada, mas que valem todos.
Treze do cinco.
Dias das Mães.
Resolvemos embarcá-las, afinal.
Sem segredos.
Sem poder.
Mas abastecidos de amor.
Muito amor.
Que desconcerta.
Que brota entre os cílios.
Amor de mães.
Fazendo as vezes deles.
Combustível não há de faltar.
Nunca faltou.
Embarcados.
Abastecidos.
Vamos em frente.

continua...



V - OI
Pensando agora, nem dava pra ser diferente.
Todo primeiro oi é tímido mesmo.
A gente nunca se viu na vida, ora!
Hoje nos vimos de perto.
E meio distantes também.
Milímetros parecem abismos às vezes.
Tudo bem.
Estamos prontos para distâncias maiores.
O terceiro assento ficou marcado.
Quem será que vem sentar aqui?
À sua direita, na janela, eu.
À esquerda, no corredor, ela.
Ela, que tem medo de viajar.
Veio me mostrar uma estrela.
Em preto e branco.
Ínfima.
Inefável.
Eterna.

continua...



VI - PORTAS EM (NADA) AUTOMÁTICO
Autorizados para decolagem.
Após 15 dias emboríveis.
(coisa nossa).
Tudo bem.
É o primeiro voo.
Bom que a gente conhece como as coisas funcionam.
Da próxima vez, talvez sejamos experts.
Mas é a primeira viagem.
Na primeira a gente estranha tudo.
O silêncio de antes.
O barulho de agora.
Ah, o barulho!!!!!
O som que muda tudo.
Taxiando parece carro.
Mas quando chega na cabeceira.
Para.
E fica parado.
O que nos avisa o tamanho da treta é o som.
Ensurdece.
E nos endurece.
De motor, passamos a turbina.
A potência, tamanha.
Encanta.
Na mesma proporção que amedronta.
Dá o tamanho da responsabilidade.
Quer saber?
É no som que a gente se situa.
Não é mais o carro de sempre.
Essa aqui, agora, é a nave da gente.
E nós vamos longe.
Minha mãe, no assento ao lado, sorri.
E o sorriso dela é lindo.
Com uma lágrima a tira-colo.
A mãe da mamãe, ao lado dela, finge surpresa.
Mas desse voo ela é comandante.
E já que a viagem é longa, teremos escalas.
Na próxima perna,
(coisa nova pra você também).
A gente embarca quem faltava.

continua...



VII - TEM UMA MOÇA NO SEU LUGAR. 
Dizem que acontece em todas as viagens.
Coisa corriqueira mesmo.
Colocaram uma moça no seu lugar.
Uma moça linda!
A gente olha pra ela e tenta imaginar como será a companhia.
Perguntamos seu nome.
Ela responde com os olhos.
Sim, com os olhos.
Nem parecia voz de gente.
Parecia prece.
Manuela.
Nos apaixonamos por ela.
Mas houve uma questão.
Algo com a passagem.
Deve ser a primeira vez dela também.
Ela se levanta e vai checar.
Nós, ainda meio apaixonados por ela.
Esperamos.
Quem sabe ela volta.
                          
continua...



VIII – MANUELA, COM UM L.
Voltou.
Acharam que seu nome era diferente.
(Pode ser que aconteça de novo).
E nós te ouvimos aqui do nosso lugar.
Não que estivéssemos escutando a conversa.
Você fez questão de ser ouvida.
E deu um orgulho danado!
Manuela, com um L, e aquele lugar é meu!
Bem-vinda, Manuela.
Bem-vinda como sempre.
Desde antes.
Aperte os cintos, meu amor.
Mas não muito.
Turbulências existem.
Mas o riso é garantido.
Eu já disse bem-vinda?
Disse, sim.
Digo de novo.
E não será a última vez.

Continua...



IX – SURPRESA BOA.
Daquelas coisas que acontecem nas viagens.
Perguntaram para a pessoa certa.
- Veio de onde?
Ela, sem rodeios.
- Daqui.
E apontou para a gente.
Deve ser esta a definição de orgulho.
Um pouco mais para o lado da mãe, é verdade.
Ótimo.
Estou acostumado a amar estes traços.
Estamos quase lá.
Estaremos sempre aqui.
O destino está próximo.
Onde quer que ele seja.
Bem-vinda de novo.
E sempre.

Continua...



X – PREPARAR.
A decolagem é a parte mais distante do pouso.
Isso faz o sangue gelar.
Numa viagem normal.
Nesta aqui, acalma.
Dá tempo.
Quase 40 semanas de Manuela.
Quando estiver pronta, é só avisar.
Nós nunca estaremos, afinal.
E isso é bom, filha.
A gente se apronta junto.
Coisa de amor.
Coisa celular.
Coisa nossa.
De nós três.
Pronta?
Nós também não.
É que o mundo precisa de você.
Eu, mais que o mundo.
Pode tirar o cinto.
Nunca o sinto.


Continuamos aqui fora.
Bem-vinda, como sempre, meu amor.

1 comment:

  1. Aaaaaaaaaaaaahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh.... MORRI!!!!

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